ROBERTO “GORDO” MONFORTE, O GEÓLOGO PALHAÇO

Por Álvaro Rodrigues dos Santos (o Arvo)
Sempre me achei em falta por não ter escrito algo sobre meu querido amigo Roberto “Gordo” Monforte. Simplesmente por achar que não conseguiria sucesso em reunir organizadamente tantas sensações soltas sobre sua essência humana.
Mas, ao menos agora, castigado pela culpa, enchi-me de brios e aí segue o registro.
Roberto Monforte, o Gordo, o Nicão, o Gordo Monforte, originário de Quatá, município paulista, foi estudante do curso de Geologia-USP na década de 1960, quando esse curso ainda era ministrado no Palacete Glete, esquina da Alameda Glete com a Rua dos Guaianases, bairro dos Campos Elíseos na capital paulista.
Como o próprio apelido sugere, gordo. Mas não tanto assim. E até uma gordura dura, de um indivíduo forte fisicamente, temido pelo seu típico costume de pegar os amigos pela
nuca com sua forte mão em pinça e chacoalhá-los “amistosamente”.
O Gordo não tinha muita facilidade com disciplinas mais exigentes, pelo que acabou estendendo seu curso em vários anos até conseguir seu programado diploma de geólogo.
Com isso, brindou várias turmas com sua incrível competência artística, que se traduzia em chistes e trocadilhos memoráveis, paródias, peças irônicas impagáveis, como o
famoso jogo de futebol entre gregos e africanos, e tantas outras manifestações artísticas a que era insistentemente chamado a repetir pelos amigos que tanto o queriam e
admiravam.
Pessoalmente sou agradecido aos deuses por ter usufruído da amizade do Gordo mesmo fora do ambiente escolar. No ano de 1968 casei-me ainda cursando a faculdade e fui
morar na Rua Martin Francisco em um pequeno apartamento. O Gordo morava ali por perto na Rua Fortunato. Sempre que nos sobrava um tempinho nos encontrávamos para
jogar sinuca. “Arvo (era como ele me chamava) vamos curtir uma caçapinha?”. Duros como rocha, somente alguns poucos tostões no bolso, lá íamos nós. Eu, meio
ressabiado, sempre atento para o querido amigo não me pinçar o pescoço com suas poderosas mãos. Uma pinga, um torresmo, várias tiradas gozadíssimas do Nicão, e o
tempo passava rápido e gostoso pelas nossas vidas. Em outros momentos, estávamos eu e a Maria do Carmo, minha esposa, em casa e alguém batia à porta. Era o Nicão
trazendo um ovo na mão e perguntando se poderia almoçar conosco. Era diversão gostosa por ao menos umas duas horas.
Claro, era com o Nicão que aconteciam as situações mais estranhas. Uma delas deu-se quando de uma excursão escolar ao Município de Fartura – SP. Na ida fomos todos com
o famoso ônibus da escola. Na volta, para os que perderam o ônibus, restou a alternativa, muito comum à época, de pedir carona na estrada. Lembro-me que sobramos nessa condição eu, o Carlinhos Leite e o Gordo. Eu e o Carlinhos logo pegamos nossas caronas para São Paulo, o Gordo ficou para trás. Já bem à noite na república em que morávamos, a saudosa Paróquia da Rua Albuquerque Lins, começamos a nos preocupar, o Gordo não chegava. Mas, enfim, lá por altas horas chega o Nicão. Esgotado, quase caindo e morto de fome. Contou-nos então seu infortúnio. Logo depois de nós conseguira também sua carona. Era um velho jipe Willys. Até aí tudo bem, carona não se escolhe, mas dirigido por uma pessoa com deficiência física: pernas curtas e fracas e o braço esquerdo sem movimentos. Segue a história a nós relatada pelo Gordo. Vinham muito devagar, com o que logo a noite caiu. O diabo é que quando havia necessidade de mudança de marcha, e em um velho jipe essa necessidade é muito comum, o pobre motorista largava a direção, pois que sua única mão funcional era utilizada para movimentar o câmbio. Com o isso o jipe saia em incontrolável zig-zag pela estrada para total apavoramento do Gordo. Assim vinham os dois, até que o jipe ficou totalmente incontrolável. Terror a bordo, um pneu dianteiro havia estourado. Com dificuldade enorme o motorista conseguiu levá-lo para o acostamento. Calma a bordo,  mas havia que trocar o pneu, e, claro, o Gordo se ofereceu para tanto. Um parto da montanha até acharem as ferramentas, mas o mais difícil estava para vir. Sem nenhuma lanterna disponível teria que fazer a operação em plena escuridão. A cena deve ter sido memorável, Nicão agachado, com o pneu novo nas mãos, aguardava passar algum  carro para, em aproveitando a luz de seus faróis, tentar encaixá-lo nos parafusos. Depois de muitas tentativas, finalmente conseguiu. Reiniciaram a viagem, mas o terror a bordo estava reestabelecido, os zig-zags ameaçadores continuaram. A tal ponto que já próximos da chegada a São Paulo o Nicão não agüentou mais e bradou. “chegamos, é aqui que eu
moro, por favor pare no acostamento”. Feito isso, desceu aliviado, mesmo percebendo que suas calças estavam molhadas, havia se urinado todo de medo. Andou um bom tempo até pegar um ônibus que lhe conduzisse para seu destino final, nossa República.
De outra feita, o Gordo teve a notícia que estava diabético. Não mais poderia se deliciar faustosamente, como gostava, com seus doces preferidos. Mas isso não funcionava para
o Nicão. Pedia a sobremesa, sacava seu açúcar dietético e o usava como fosse um remédio pingando várias gotas sobre o doce à sua frente.
A verdade é que o Gordo Monforte sofreu as circunstâncias de um país e de uma época em que o futuro dos jovens de classe média, quando seguir a Universidade lhes era economicamente possível, afunilava-se na escolha de poucas profissões: direito, engenharias, medicina e algumas poucas outras. Qualquer deriva por outras atividades era tida como derrota pessoal e familiar ou coisa de gente não muito afeita ao trabalho. E no caso do Nicão esse desígnio ficou claro. Não tinha ele que ser geólogo, Nicão tinha todos os predicados para ser um grande artista, um grande artista popular. Escreveria casos, esquetes, contaria piadas, produziria peças cômicas, talvez até roteiros cinematográficos para gostosas comédias, apresentar-se-ia em palcos, faria enfim o que mais gostava, o que mais lhe trazia satisfação, divertiria o povo. E só assim o Gordo seria verdadeiramente feliz.
Mas, como bem disse Gasset, “o homem é o homem e a sua circunstância”. E as circunstâncias não permitiram ao Gordo realizar-se com os divinos dons de palhaço com
que Deus lhe brindou.
Nicão faleceu já há alguns anos. Como seria de se esperar não teve uma vida muito feliz. A vida real, implacável, lhe roubara a alma. Todos os colegas que tiveram a imensa graça
de com ele conviver nos tempos de escola, eu incluso, ficam a lhe dever um sentido agradecimento pelas francas e gostosas risadas que o palhaço Nicão lhes proporcionou.
Desgraçadamente, no alvoroço de jovens universitários não percebemos que poderíamos e deveríamos ter nos empenhado para gerar condições que lhe permitissem seguir a
carreira artística que lhe sugeriam seus sagrados e generosos pendores de palhaço.
Nicão, querido amigo, desculpe-nos. Mas, por favor, aceite nosso comovido MUITO OBRIGADO POR TUDO.

 

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