Adentramos no sul-sudeste brasileiro o período chuvoso crítico que anualmente tem marcado a região por terríveis tragédias associadas a enchentes e deslizamentos.Como decorrência do impacto político causado pelas últimas tragédias foram, a partir da administração pública em seus diversos níveis, tomadas uma série de medidas sob a intenção de reduzir a vulnerabilidade das populações mais ameaçadas por esses conhecidos fenômenos. A pergunta automaticamente se coloca: estamos hoje melhor preparados, as medidas adotadas estão em um rumo correto?
Sem dúvida melhoramos em alguns quesitos: maior consciência sobre a gravidade do problema, aumento dos conhecimentos científicos e tecnológicos associados à questão, maior envolvimento de órgãos técnicos e gerenciais para a temática áreas de risco, mobilização de um maior número de pesquisadores, profissionais em geologia, geotecnia e meteorologia, técnicos e militantes de sistemas de Defesa Civil, organização de sistemáticas de alertas pluviométricos, mapeamento de áreas de risco críticas, etc. Ressalte-se no âmbito desses dados positivos a nova e avançada legislação brasileira para a gestão de riscos consignada na Lei Federal 12.608. No entanto, é forçoso reconhecer que ainda serão extremamente pequenos os ganhos reais práticos em maior segurança para as populações mais ameaçadas. Prevalecem ainda grandes deficiências associadas à falta de linhas de comando e uma melhor articulação entre os diversos órgãos envolvidos, à dificuldade da efetiva integração das prefeituras municipais nos programas de segurança propostos, à resistência e à irresponsabilidade com que a administração pública tem lidado com a radical necessidade de remoção/reassentamento das famílias que ocupam áreas de muito alto risco, à tendência de acomodamento geral às medidas de alerta pluviométrico, em uma atitude cruel e desumana que pressupõe que a gestão de riscos possa se resumir a tocar sirenes e botar a população a correr de suas casas nos momentos mais críticos.
A continuarem preponderantes a omissão e/ou a insuficiência e/ou a impropriedade das ações públicas no tratamento dos gravíssimos problemas associados à ocorrência de enchentes e deslizamentos de encostas não há dúvida, as tragédias tenderão a se ampliar em sua intensidade, frequência e letalidade. Consequência direta da criminosa indecisão em se tomar, dentro de um abordagem de cunho preventivo, onde se inserem destacadamente o planejamento urbano e os programas habitacionais, a elementar decisão de, no mínimo, parar de cometer os erros essenciais que estão na origem desses graves fenômenos. Em outras palavras, nossas cidades continuam a crescer, sob os olhos e complacência da administração pública em seus diversos níveis, praticando os mesmos erros e incongruências técnicas que as conduziram a esse grau de calamidade pública; no caso das enchentes impermeabilizando o solo, promovendo uma excessiva canalização de rios e córregos, expondo por terraplenagem o solo à erosão com decorrente assoreamento dos cursos d’água; no caso dos deslizamentos e solapamentos de margens, ou ocupando encostas e fundos de vale que jamais deveriam ser ocupados dada sua já alta instabilidade natural, ou ocupando com técnicas as mais inadequadas terrenos até potencialmente urbanizáveis.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (
- Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
- Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”
- Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Download: As chuvas chegaram como estamos.pdf