BREVE HISTÓRICO DA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE GEÓLOGO
Luiz Ferreira Vaz
- INTRODUÇÃO
As escolas de Geologia no Brasil foram criadas apenas em 1957, porém em 1959, portanto pouco antes dos primeiros geólogos se diplomarem em 1960, o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CONFEA, promulgou a Resolução no. 120 regulamentando a profissão de geólogo. A resolução conferia ao geólogo a atribuição para pesquisa mineral, conforme estabelecido pelo Código de Minas em vigor, sem prejuízo das atribuições dos engenheiros de minas. Entretanto, a Resolução 120 não esgotava o assunto pois, conforme a legislação brasileira, é necessário uma Lei Federal para regulamentar o exercício das profissões de nível superior.
Há duas formas de regulamentação. Na primeira a lei define as atribuições e determina a filiação a um conselho de fiscalização profissional existente. Na segunda, a lei, além de determinar as atribuições, estabelece a forma como elas serão concedidas e cria o respectivo conselho de fiscalização profissional. Como exemplos desta última forma, temos a Lei 5194/66 do sistema CONFEA/CREAs dos engenheiros, a Lei 8906/94 da OAB dos advogados e muitas outras. Como exemplo das primeiras podem ser citadas a Lei 4076/62 que regulamentou a profissão de geólogo e a Lei 6664/79 que fez o mesmo para os geógrafos, ambas definindo atribuições e determinando à filiação aos CREAs.
As atribuições podem ser fixas ou definidas em função do currículo de graduação. No caso dos geólogos as atribuições são fixas e, no caso dos engenheiros, estabelecidas conforme o currículo escolar de graduação. Neste último caso, o conselho federal define as atribuições à medida que os currículos evoluem ou vão surgindo novos cursos, como, por exemplo, o de engenharia ambiental, recentemente regulamentado através da Resolução 447 do CONFEA. Cabe ainda ao conselho federal esclarecer as áreas de sombra entre as várias modalidades de profissionais. No caso de atribuições fixas, basta o diploma para serem adquiridas as atribuições, independentemente do currículo de graduação.
- A VINCULAÇÃO AO SISTEMA CONFEA/CREAs
O movimento pela aprovação da Lei 4076, sancionada em 23 de junho de 1962, foi liderado pelos professores das escolas de Geologia. Não havia, na época, quase nenhuma prática de Geologia, já que, apenas em 1961 começaram a se formar geólogos em número representativo. Talvez por esse motivo a Lei 4076 seja uma cópia da Resolução 120 do CONFEA, de 1959, com pequenos adendos. Assim, as atribuições definidas pela Lei 4076, além de refletir atividades que, supostamente, os geólogos viriam a desenvolver, datam de fins da década de 50 e há muito estão superadas. Conforme o artigo 6º daquela Lei, as atribuições dos geólogos são as seguintes:
São da competência do geólogo ou engenheiro geólogo:
- a) trabalhos topográficos e geodésicos;
- b) levantamentos geológicos, geoquímicos e geofísicos;
- c) estudos relativos às ciências da terra;
- d) trabalhos de prospecção e pesquisa para cubação de jazidas e determinação de seu valor econômico;
- e) ensino das ciências geológicas nos estabelecimentos de ensino secundário e superior;
- f) assuntos legais relacionados com suas especialidades;
- g) perícias e arbitramentos referentes às matérias das alíneas anteriores.
Parágrafo único - É também da competência do geólogo ou engenheiro-geólogo o disposto no item IX, artigo 16, do Decreto-Lei nº 1.985, de 29 JAN 1940 (Código de Minas.
Observa-se que há uma grande diferença entre as atribuições concedidas pela Lei 4076 e a prática da Geologia. Atividades importantes, como a exploração de água subterrânea e de petróleo, não foram contempladas, em contrapartida, algumas jamais foram exercidas pelos geólogos, como Geodésia e outras são inócuas, como as relativas ao ensino, assuntos legais e perícias. Ao final, apenas as alíneas b, c e d conferem atribuições efetivas, mas, as alíneas b e c são demasiadamente genéricas e singelas.
A Lei 4076 determina que os geólogos se registrem nos CREAs, o que não foi inicialmente bem aceito. Até fins da década de 60 os CREA´s limitavam as atribuições do geólogo em função do currículo de graduação, em flagrante desrespeito à Lei 4076, pela qual as atribuições são fixas e independem do currículo de graduação. A Lei 5194/66, que reformulou o sistema CONFEA/CREAs, promulgada 4 anos depois da Lei 4076, contava com 92 artigos, nenhum deles mencionando os geólogos, problema que somente foi corrigido em 1973 com a Resolução 218 do CONFEA que, em seu artigo 11, informa que as atribuições dos geólogos são aquelas da Lei 4076.
Nessa mesma época, em 1967, foi criada a Associação Profissional dos Geólogos no Estado de São Paulo – AGESP, a primeira entidade sindical de geólogos do país. Na época, já existiam a Associação dos Geólogos de Pernambuco – AGP e a Associação Baiana de Geólogos, ambas, porém, sociedades civis, sem caráter sindical. Em 1969, por proposta da AGESP, uma reunião de geólogos no Congresso da SBG, em Brasília, aprovou um plano de desenvolvimento profissional que compreendia quatro etapas:
1) criação de associações profissionais em outros estados;
2) transformação de cinco dessas associações em sindicatos;
3) criação de uma federação nacional de geólogos e
4) criação do conselho próprio de fiscalização profissional.
Rapidamente, várias associações profissionais foram fundadas e esperava-se que, até fins da década de 70, existissem os cinco sindicatos e a federação, tornando possível o conselho próprio. Entretanto, alguns setores da categoria passaram a questionar o excessivo atrelamento da legislação sindical às diretrizes governamentais, o que era verdadeiro para os sindicatos operários, mas, não tinha nenhum efeito no caso dos sindicatos de profissionais liberais. Assim, a linha sindical, apesar do atrelamento imposto também às associações profissionais que haviam sido fundadas, começou a ser abandonada. Apenas a AGESP transformou-se no Sindicato dos Geólogos no Estado de São Paulo, porém somente em 1981 seguida, muitos anos depois, pela associação mineira que passou a Sindicato dos Geólogos no Estado de Minas Gerais – SINGEO.
- O ABANDONO DA LINHA SINDICAL
Com o abandono da linha sindical foram criadas entidades nacionais de caráter civil, inicialmente a FENAGE – Federação Nacional dos Geólogos, depois a CONAGE – Coordenação Nacional dos Geólogos e, desde alguns anos, a FEBRAGEO – Federação Nacional dos Geólogos. Essas entidades nunca alcançaram a representatividade necessária, principalmente por se afastarem da linha sindical de defesa dos interesses da categoria. A FEBRAGEO, devido ao seu caráter de associação civil, enfrenta as mesmas dificuldades das suas antecessoras. Note-se que, também foi abandonada a meta do conselho próprio de fiscalização profissional sem que nenhum plano alternativo de desenvolvimento profissional tivesse sido estabelecido.
- A LINHA CONFEA/CREA
Considerando que o conselho próprio de fiscalização não era mais prioritário e que os CREAs permaneceriam encarregados da fiscalização profissional, a AGESP decidiu, em 1973, solicitar representação no CREA/SP. Logo se verificou que, como o funcionamento do CREA baseia-se em câmaras setoriais, seria necessário desvincular os geólogos da Câmera de Engenharia Civil, onde estavam alocados e criar a Câmara de Geologia.
Depois de muitos esforços, a Câmara de Geologia e Minas do CREA-SP, batizada de CAGE em homenagem ao órgão responsável pela criação das escolas de Geologia, foi criada no em 1979, abrangendo geólogos e engenheiros de minas. O caminho trilhado pela CAGE foi seguido em vários outros estados na década de 70 e, atualmente, existem várias Câmaras de Geologia e Minas.
A principal dificuldade para a atuação dos geólogos nos CREAs é a dicotomia entre a Lei 4076, com suas atribuições fixas e a organização dos CREAs, com atribuições variáveis. Impedidos de adaptar suas atribuições à realidade do mercado e dos currículos de graduação, os geólogos têm tentado, sem sucesso, encontrar brechas na Lei 5194/66 para ampliar suas atribuições. Um bom exemplo dessa situação é uma decisão do CREA/PR que, há cerca de 20 anos, estendeu aos geólogos a atribuição de lavra a céu aberto devido à inexistência de engenheiros de minas no Estado do Paraná em número suficiente. Essa medida, entretanto, pode ser cassada pelo CONFEA. Por outro lado, não há como resguardar as áreas de atividade do geólogo em relação a outros profissionais. Tome-se, por exemplo, um engenheiro ambiental com disciplinas em seu currículo de graduação, que lhe permitam atuar na área de remediação do subsolo e de águas subterrâneas. Pela Resolução 447 do CONFEA, amparada pela Lei 5066, ele tem tais atribuições asseguradas independentemente da opinião dos geólogos. Aliás, examinando as atribuições concedidas aos geólogos pela Lei 4076 fica difícil determinar em qual das suas alíneas insere-se esta importante área de atividade dos geólogos.
O segundo entrave à ação dos geólogos é o número de geólogos face aos demais profissionais registrados nos CREAs. O CONFEA informava (dados de 20 anos atrás) que existiam registrados nos vários CREAs cerca de 850.000 profissionais abrangendo mais de 50 profissões, enquanto estima-se a existência de cerca de 10.000 geólogos em atividade em todo o País. No CREA/SP estavam registrados, em números redondos, 134.700 engenheiros, 14.500 agrônomos, 25.600 arquitetos e 1.900 geólogos e engenheiros de minas, além de 1.000 outros profissionais e quase 40.000 técnicos de nível médio e tecnólogos.
Esta diferença reflete-se no número de conselheiros. No CREA/SP existiam quatro conselheiros geólogos e 248 de outras modalidades (engenheiros, arquitetos, agrônomos, etc). Como as decisões executivas são tomadas pelo Plenário do CREA, reunindo todos os conselheiros, torna-se difícil aprovar medidas de interesse específico dos geólogos. No caso do CONFEA, que é o órgão federal normativo, existem apenas 18 conselheiros, 10 dos quais representam o Grupo da Engenharia, no qual se encontram os geólogos. Mesmo que se consiga incluir um ou dois geólogos no CONFEA, a desvantagem numérica ainda será extremamente elevada.
Os dois problemas acima apontados, a incoerência da Lei 4076, com atribuições imutáveis inserida num ambiente de atribuições variáveis e a desvantagem numérica limitam a ação dos geólogos no sistema CONFEA/CREA, de tal sorte que, mesmo com as Câmaras de Geologia, muito pouco foi conseguido nestes 30 anos de participação dos geólogos no sistema. Esses mesmos problemas impedem que as áreas específicas de atuação dos geólogos sejam defendidas de invasões por outros profissionais e não permitem a atualização e a ampliação de nossas atribuições.
Várias idéias foram levantadas para solucionar esse problema. Pensou-se, inicialmente, em substituir a Lei 4076 por outra mais atualizada, depois por uma lei regulamentando a Lei 4076. Finalmente uma proposta foi acoplada ao projeto de lei de regulamentação da profissão de geofísico. Esta proposta que esteve em baila por cerca de 10 anos, foi rejeitada no Congresso Nacional pelo lobby dos engenheiros. Alguns geólogos foram partidários desta proposta e ficaram a ver navios.
Foi também considerada a possibilidade de se transformar os cursos de geologia em cursos de engenharia geológica, com ou sem fusão com os cursos de engenharia de minas. Essa idéia não prosperou por não solucionar a questão das atribuições, mantidas fixas para evitar o risco de redução.
Dentre essas diversas idéias, a criação do CONGEO – Conselho Federal de Geologia, mantido e administrado pelos geólogos, geofísicos e outros profissionais da Geologia, permite que os assuntos profissionais dos geólogos sejam resolvidos pela própria categoria, sem interferência de outros profissionais. Entretanto, não é uma tarefa fácil já que é necessária uma lei do Congresso Nacional, mas, pelo menos, estaremos lutando pelos nossos próprios interesses.
LEI Nº 4.076 – DE 23 DE JUNHO DE 1962
REGULA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE GEÓLOGO
Art. 1º - O exercício da profissão de Geólogo será somente permitido:
- a) Aos portadores de diploma de Geólogo, expedido por curso oficial;
- b) Aos portadores de diploma de Geólogo ou Engenheiro Geólogo expedido por estabelecimento estrangeiro de ensino superior: depois de revalidado.
Art. 2º - Esta lei não prejudicará, de nenhum modo, os direitos e garantias instituídos pela Lei nº 3.780, de 12 de julho de 1960, para os funcionários que na qualidade de Naturalistas, devam ser enquadrados na série de Classes de Geólogo.
Art. 3º - O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura somente concederá registro profissional mediante apresentação de diploma registrado no órgão próprio do Ministério da Educação e Cultura.
Art. 4º - A fiscalização do exercício da profissão de Geólogo será exercida pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura e pelos Conselhos Regionais.
Art. 5º - A todo profissional registrado de acordo com a presente Lei será entregue uma carteira profissional numerada, registrada e visada no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, na forma do art. 14 do Decreto nº 23.569 de 11 de Dezembro de 1933.
Art. 6º - São da competência do Geólogo ou Engenheiro Geólogo:
- a) Trabalhos topográficos e geodésicos;
- b) Levantamentos geológicos, geoquímicos e geofísicos;
- c) Estudos relativos a ciência da terra;
- d) Trabalhos de prospecção e pesquisas para cubação de jazidas e determinação de seu valor econômico;
- e) Ensino das ciências geológicas nos estabelecimentos de ensino secundário e superior;
- f) Assuntos legais relacionados com suas especialidades;
- g) Perícias e arbitramentos referentes às matérias das alíneas anteriores.
Parágrafo único – É também da competência do Geólogo ou Engenheiro Geólogo o disposto no item IX do artigo 16 do Decreto-lei nº 1.985, de 28 de janeiro de 1940 (Código de Minas)
Art. 7º - A competência e as garantias atribuídas por essa Lei aos Geólogos ou Engenheiros Geólogos são concedidas sem prejuízo dos direitos e prerrogativas conferidos a outros profissionais da engenharia pela legislação que lhes é específica.
Art. 8º - A presente Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
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