Artigo de Osvaldo Ferreira Valente
A tragédia do Rio Grande do Sul trouxe, como é comum, muitas opiniões e também muitos palpites. Opiniões de quem tem ligações com os assuntos pertinentes e palpites de especialistas de ocasião. Tudo faz parte do jogo.
Mas uma discussão interessante foi a referente a cidades-esponja, tecnologia criada e desenvolvida pelo arquiteto chinês Kongjian Yu. E sobre isso há uma reportagem muito boa de Julian Braun, cujo link está no final deste texto.
A filosofia básica da solução apontada pelo arquiteto chinês é que devemos parar de lutar contra a água e investir em alternativas que busquem imitar as ações de uma natureza equilibrada. Ele tem toda razão, pois as soluções usadas pela engenharia tradicional como a construção de diques e represas e a instalação de tubulações de drenagem, visando a retirada rápida dos volumes de água recebidos por chuvas, não têm mostrado capacidades de lidar bem com os novos comportamentos climáticos.
Já temos a pregação de soluções semelhantes aqui no Brasil, valendo citar duas referências: a primeira está no livro intitulado Cidades & Geologia, do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos; e a segunda engloba os vídeos 68, 69 e 70 da Faculdade da Água, canal disponível no YouTube (link no final do texto). Vamos esperar e torcer para que o trabalho do arquiteto chinês possa inspirar a engenharia nacional.
Mas as cidades estão posicionadas num espaço maior que é a bacia hidrográfica, valendo lembrar que qualquer área da superfície terrestre pertence a uma bacia hidrográfica. E é ela que, se malcuidada, recebe, ajunta e despeja grandes volumes de enxurradas em núcleos urbanos, principalmente nos situados em suas partes mais baixas.
É o caso do Rio Grande do Sul, com a cidade Porto Alegre sendo inundada pelo Rio Guaíba que é essencialmente formado pelo conjunto hídrico do sistema Jacuí/Taquari/Antas. Só a bacia do Taquari/Antas tem uma área de coleta de chuvas de 26.482km2.
Região hidrográfica do Guaíba representada em verde. Fonte: Wikipedia
Aí eu faço a pergunta: se é toda a área da bacia do Rio Jacuí que coleta os volumes de chuvas que inundam Porto Alegre, por que não estender a ideia da esponja para toda a bacia hidrográfica drenada por ele?
Como resposta eu sugiro a criação das “bacias hidrográficas-esponja”, estendendo o conceito do arquiteto chinês para toda a bacia. Estaremos, assim, combatendo o mal desde sua origem; origem que está lá nas pequenas bacias de cabeceiras e que se juntam para formar as maiores.
Quando pregamos a necessidade de segurar as enxurradas não só com áreas cobertas de vegetação protetora, mas também com estruturas como terraços e caixas variadas, visando enriquecer os aquíferos subterrâneos para uma boa produção de água, estamos, ao mesmo tempo, trabalhando para evitar grandes concentrações dessas enxurradas nas regiões mais baixas, causando cheias e inundações.
E a minha proposta, ao sugerir as “bacias hidrográficas-esponja”, é que o conceito de segurança hídrica, que hoje trata apenas da garantia de suprimento adequado de água para consumo humano e demandas produtivas necessárias à vida, passe, também, a incluir a proteção contra cheias e inundações
Os fundamentos hidrológicos e outros conhecimentos necessários para implantação dessa nova visão já estão disponíveis no Brasil. Vale citar um texto de treze páginas, intitulado Aplicação da “Hidrologia e Manejo de Bacias Hidrográficas” na Busca por Segurança Hídrica, que proponho disponibilizar pelo e-mail citado na minha pequena biografia, no final deste artigo.
Links:
1) Como conter enchentes no Brasil, segundo criador das ‘cidades-esponja’: ‘Barragens estão fadadas ao fracasso’ | Meio Ambiente | G1
2) Faculdade da Água: https://www.youtube.com/@faculdadedaagua6807
*Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, professor titular aposentado da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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